1. CONTEXTUALIZAÇÃO DAS LUTAS FEMINISTAS
As lutas feministas não se desenvolveram num vácuo temporal e espacial, tendo sido espoletadas no contexto dos movimentos em torno da liberdade que marcaram o século XIX. Recordam-se aqui brevemente as quatro grandes vagas revolucionárias que, segundo René Rémond (2003), marcaram esse século:
a) os movimentos liberais das décadas de 20 e 30 do século XIX contra o Antigo Regime e que resultaram, regra geral, em regimes controlados por uma elite burguesa (na sua maioria) que se perpetuou no poder através do sufrágio censitário[1] (insere-se nesta vaga a revolução liberal portuguesa de 1820);
b) os movimentos democráticos, na sequência das revoluções de 1848, que lutaram pelo sufrágio universal para eleger um governo representativo do povo (estes movimentos tiveram diferentes etapas, marcadas por avanços e recuos, consoante os países em que se desenrolaram);
c) os movimentos sociais, mais notórios a partir da 2ª metade do século XIX, resultantes das lutas do movimento operário e dos programas dos socialistas (utópicos e científicos) na busca de solução para a designada “questão social” (insere-se nesta vaga a criação da Internacional Operária);
d) o movimento das nacionalidades, contemporâneo dos outros três, e que resultou na independência de vários povos na Europa e na América Latina (por exemplo: Brasil em 1822, Bélgica em 1830 e Itália e Alemanha em 1871).
[1] Sufrágio censitário – implicava que para votar e/ou ser eleito se tinha de ter um determinado rendimento sobre o qual se pagava um imposto – o censo.
2. DA 2ª METADE DO SÉCULO XIX À I GUERRA MUNDIAL
A luta pelo sufrágio universal nos países com regimes constitucionais foi-se generalizando ao longo do século XIX porque o liberalismo negava os valores de liberdade, igualdade e fraternidade a determinados grupos sociais (Mariano, 2017), por não reunirem condições económicas e/ou culturais para participar no sufrágio censitário (Robson & Kinzer 2006). No entanto, essa luta dos excluídos da representatividade política era conjugada no masculino excluindo-se quase sempre, as mulheres, que se encontravam numa posição de submissão a uma figura masculina – pai, marido ou irmão – independentemente da classe social (Fugier, 1990). Esta autoridade do homem sobre a mulher era reconhecida pela jurisprudência do século XIX que não permitia à mulher administrar os seus próprios bens ou trabalhar sem autorização do marido, podendo este exigir-lhe a entrega do salário (Vaquinhas, 1997). Às mulheres, sobretudo as da alta burguesia, reservava-se o papel de mães e esposas virtuosas, por serem vistas como o garante da transmissão da propriedade e dos valores burgueses de família que era considerada a célula base da sociedade (Fugier, 1990).
A mulher deveria ser uma “fada do lar” criadora de um “santuário” ao qual o marido voltasse após um dia de trabalho, devendo satisfazer as suas necessidades, se necessário com autossacrifício, passividade e silêncio: este conceito de mulher vitoriana de John Ruskin encontrou eco também entre as classes médias em ascensão na sociedade do século XIX (Macedo & Amaral, 2005). Não obstante, nesta mesma altura, várias foram as mulheres que não aceitaram esse papel e reivindicaram direitos civis e políticos, tendo divulgado os seus intentos em revistas e jornais ou em congressos por forma a dar visibilidade às pretensões feministas (Perrot, 1990). Recorde-se que Elisabeth Stanton, ativista abolicionista dos EUA, reivindicara, ainda na primeira metade do século XIX, o sufrágio feminino e o direito à educação, à propriedade, ao emprego, à participação no governo e, ainda, ao divórcio e controlo da natalidade, tendo essas reivindicações sido incluídas na Declaration of sentiments[1], produzida na convenção de Seneca Falls, em 1848 (Wellman, 2004). Apesar desta Declaração as mulheres que lutavam pelos seus direitos enfrentaram uma forte resistência na sociedade, tanto de homens como de muitas outras mulheres, que se escudavam em argumentos morais, religiosos e políticos para as atacar (Perrot, 1990). Até mesmo a medicina contribuía para a ideia de menorização da mulher ao atribuir-lhe uma natureza frágil e sensível, começando apenas a verificar-se mudanças neste tipo de entendimento no final do século XIX com os estudos de Charcot e Freud (Vaquinhas, 1997).
A evolução da maquinaria no mundo industrial, a partir da segunda metade do século XIX sujeito, impôs ritmos cada vez mais rápidos de produção, sendo as mulheres utilizadas como mão-de-obra barata, a quem se pagava, regra geral, cerca de metade do salário dos homens, por supostamente desempenharem um trabalho mais leve[2], ainda que a sua jornada de trabalho fosse tão longa como a dos homens – 14 a 16 horas (Léon, 1982). Essa terrível situação, a designada “questão social”, impulsionou ao longo do século XIX o movimento operário e os sindicatos que lutavam pela redução da jornada de trabalho e por melhores salários e condições de trabalho, bem como o desenvolvimento de propostas socialistas, tanto utópicas como científicas/marxistas (Léon, 1982). Se os marxistas procuravam uma via revolucionária de modificação profunda da sociedade que levasse o proletariado ao poder (Léon, 1982; Rémond, 2003), os socialistas utópicos procuravam a dignificação das condições de vida desse proletariado, nomeadamente através da educação, procurando inverter a sua subalternização social – foi neste contexto que os socialistas utópicos estabeleceram relações com a subordinação da mulher, tendo Charles Fourier enunciado a expressão “emancipação da mulher” que levou a que fosse considerado por alguns especialista como “pai do feminismo moderno” (Vaquinhas, 1997). A educação, que cumpria também um desígnio do sistema capitalista de procura de uma mão-de-obra mais qualificada, começou a ser encarada como um fator de progresso social, vindo a entrecruzar-se com os objetivos dos movimentos feministas emergentes (Vaquinhas, 1997). Estes buscavam, a par da instrução feminina, o reconhecimento de direitos civis e políticos para as mulheres, nomeadamente o direito ao divórcio e ao voto, escolhendo como forma de atuação a constituição de associações e a divulgação das suas ideias através de conferências e de publicações, privilegiando a imprensa (Vaquinhas, 1997).
A luta das mulheres pelo direto ao voto fez surgir os primeiros movimentos sufragistas nos EUA, ainda no século XIX, mas só na transição para o século XX é que começaram a endurecer a sua luta, devido à recusa e/ou negação sistemática do poder político instituído face a esta causa (Macedo & Amaral, 2005). Esta luta foi mais radical na Inglaterra, onde após várias tentativas de negociar com o Parlamento, Emmeline Pankhurst, em 1912, apelou ao uso de métodos mais agressivos, inclusive a destruição da propriedade, para atingir um dos princípios que os homens burgueses valorizavam (Schneir, 1994). Ainda assim, o sufrágio feminino foi quase sempre conquistado após o sufrágio universal masculino, cujo processo foi lento devido às dúvidas sobre o voto das massas (Samara, 2010) e que acabou por não produzir as tão desejadas mudanças políticas (um governo do povo) devido à adaptação dos partidos políticos (da elite burguesa) às novas circunstâncias e à falta de instrução do eleitorado (Rémond, 2003).
Em Portugal, na 2ª metade do séc. XIX, também predominava o sufrágio censitário masculino estando as mulheres sujeitas à obediência ao marido, pelo Código Civil de 1867, tendo surgido nesse mesmo ano A voz feminina, cujo cunho feminista, passou a ser expresso no subtítulo “A mulher livre ao lado do homem livre” e que contava com escritos de mulheres e de homens sobre a condição da mulher (Silva, 1994). Ao privilegiar a imprensa como meio de divulgação, as mulheres portuguesas estavam em consonância com as estratégias do feminismo internacional (Vaquinhas, 1997). No entanto, as crises económicas dos anos 70 do século XIX absorviam maior interesse nacional. De facto, e apesar do desenvolvimento económico da Regeneração, o país continuava dependente de capital e matérias-primas externas, sendo permeável às crises cíclicas do capitalismo (Costa, Lains & Miranda, 2012), que iam provocando forte descontentamento social e que foram aproveitadas, pelo Partido Socialista[3] e pelo Partido Republicano (1876) para criticar a monarquia parlamentar (Homem, 2001). Mas foi só com o Ultimato inglês de 1890[4] e com a revolta republicana de 1891 (apesar de falhada), que se estreitou a ligação do Partido Republicano com as camadas populares e as classes média (pequena e média burguesia), a quem agradavam as propostas desse Partido sobre a implantação de um regime republicano democrático e a promessa do sufrágio universal (Pereira, 2014; Samara, 2010).
O Ultimato de 1890 foi, no entanto, a expressão de uma luta mais vasta, no mundo ocidental, pela obtenção de matérias-primas para a produção industrial crescente de final de século e pela necessidade de mercados para venda dessa produção: o colonialismo recrudesceu e, sem respeito pelos povos locais, ocuparam-se territórios em África, na sequência da Conferência de Berlim (1884-1885), ou fomentaram-se instabilidades económicas e políticas na Ásia, que aumentaram a dependência da China e da Índia, entre outros povos, face à Europa (Hobbsbawm, 1990). O recrudescimento dos imperialismos ocidentais aumentou a tensão entre a Inglaterra e a Alemanha e conduziu à formação de alianças entre as potências europeias e a uma corrida ao armamento, da qual também participaram o Japão e Estados Unidos: o mundo ocidental preparava-se para a guerra, aguardando por um incidente que acendesse um rastilho já existente (Blainey, 2009; Rémond, 2003).
O ambiente de crescente tensão internacional fez acrescentar às reivindicações feministas a demanda pela paz, preocupação que também se fez sentir em Portugal com a fundação, pela feminista Alice Pestana, da Liga Portuguesa da Paz (1899-1917), de caráter marcadamente pacifista e que agregava mulheres e homens, republicanos ou monárquicos, destacando-se Augusta Rocha, Beatriz Pinheiro, Sebastião de Magalhães Lima e Teófilo Braga, entre outros (Esteves, 2001; Samara, 2010). Devido ao número crescente de adesões, a Liga criou uma Seção Feminina, em maio de 1906, presidida por Olga Morais Sarmento da Silveira e secretariada por Domitila de Carvalho e Emília Patacho (Esteves, 2001; Samara 2007). Ainda em 1906, em novembro, na sequência de uma deliberação da associação francesa La Paix et le Désarmement par les Femmes (criada em 1899) de constituir comités pacifistas em vários países para evitar a guerra, foi organizado o Comité Português[5], sendo Sylvie Flamarion a sua presidente (a partir de Paris) e Virgínia Quaresma, a secretária-geral (Esteves, 2001).
Se é verdade que nem todas as pacifistas eram feministas, ou se assumiam como tal, o que foi verídico foi que o pacifismo criou um espaço de ação para as mulheres na esfera pública e lhes permitiu estabelecer relações internacionais – recorde-se que logo em 1900 Alice Pestana representou a Liga Portuguesa da Paz, como sua presidente, no congresso de Haia (Samara, 2007). A relação com os movimentos feministas internacionais evidenciava-se na agenda das feministas portuguesas (Silva, 1994), que reivindicavam o direito ao voto, a igualdade dos sexos, a educação das mulheres e a sua independência económica, divulgando essas ideias em periódicos assumidamente feministas, de que a Alma Feminina, criada em 1907, foi um exemplo (Leal, 1986).
O livro de Ana de Castro Osório Às mulheres portuguesas de 1905, que refletia as reivindicações referidas, podendo considerar-se, segundo Regina Tavares da Silva (1994), o manifesto do movimento feminista português. Aí, Ana de Castro Osório, partindo de uma reflexão sobre a forma depreciativa como muitos homens e, até algumas mulheres, julgavam as feministas e, chamando a atenção para os avanços científicos que negavam diferenças entre o cérebro feminino e masculino, reclamou a justiça da luta feminista: “E, no entanto, nada mais justo, nada mais razoável, do que este caminhar seguro, embora lento, do espírito feminino para a sua autonomia. O homem português não está habituado a deparar no caminho da vida com as mulheres suas iguais pela ilustração [educação], suas companheiras de trabalho, suas colegas na vida pública; por isso as desconhece, as despreza por vezes, as teme quais sempre.” (Osório, 1905: 11-12). Reclamou ainda a educação igualitária entre sexos (Macedo & Amaral, 2005). Este foi o primeiro de uma série de estudos escritos por mulheres para mulheres, tendo a própria Ana de Castro Osório constituído com Beatriz Pinheiro e Carolina Beatriz Ângelo (entre outras) o Grupo Português de Estudos Feministas – GPEF (1907-1908) para divulgar a emancipação feminina e reivindicar uma maior ação das mulheres na esfera pública, a nível da ciência e da política (Samara, 2010). Este grupo, de caráter eminentemente intelectual enviou ainda uma representação ao Congresso Feminista de Paris.
Em 1908, Ana de Castro Osório e Adelaide Cabete, juntamente com o republicano António José de Almeida, criaram a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas – LRMP (1908-1919) que tinha por objetivos a educação cívica e política da mulher, a igualdade de direitos e deveres e a melhoria da situação da mulher e da criança (Silva, 1994). A defesa da democracia foi ainda uma das bandeiras da LRMP que apesar de ser a primeira organização político-partidária feminina, não coloca em causa o papel tradicional da família, devendo a educação da mulher prepará-la para ser uma boa mãe (com conhecimentos de puericultura) de cidadãos republicanos (Macedo & Amaral, 2005; Samara, 2010).
O regicídio de D. Carlos e do príncipe herdeiro D. Luís Filipe (1 de fevereiro de 1908) provocou cisões entre as feministas, como entre outros setores da sociedade, com os republicanos a demarcarem-se deste ato, pela sua violência, sobretudo porque esperavam o reconhecimento internacional, quando fosse oportuno implantar a República, o que ocorreu a 5 de outubro de 1910 (Samara, 2010).
A I República iniciou imediatamente uma intensa ação legislativa incidindo sobre o trabalho[6], a laicização do Estado e a educação (Rosas & Rollo, 2010), mas não correspondeu às expectativas das feministas, que se tinham comprometido com a causa republicana – relembre-se que foram Adelaide Cabete e Carolina Beatriz Ângelo que fizeram as primeiras bandeiras da República (Esteves, 2014b). Não obstante o seu empenho republicano, de entre o conjunto de direitos civis e políticos reclamados, logo em 1910, (voto; educação; divórcio e poder paternal; participação na vida jurídica, no poder local e na vida pública; acesso a carreiras profissionais vedadas a mulheres; resolução para o problema da prostituição legal) a República apenas lhes concedeu o direito ao divórcio e o poder sobre os filhos (Silva, 1994), mesmo tendo contado com o apoio de algumas vozes masculinas, como Bernardino Machado (Samara, 2010).
A reivindicação do direito ao voto provocou clivagens entre as feministas da LRMP, com a presidente Ana de Castro Osório a defender o sufrágio feminino restrito a mulheres com estudos e autonomia económica e Maria Veleda a defender o sufrágio universal, dado que a maioria das mulheres não tinha como se sustentar ou estudar e não poderia votar (Esteves, 2014a). Convém, no entanto, recordar que algumas mulheres podiam aceder à oferta educativa, ainda que reduzida: a primeira secção feminina de ensino liceal[7] surgiu em 1906 em Lisboa, cidade onde havia desde 1886 formação técnica feminina que, entretanto, se foi alargando ao resto do país (Alves, 2015). Os cursos técnicos, orientados para a vida prática e a indústria local, formaram mulheres para setores tradicionais (como os lavores) e para o setor de serviços (comunicação e comércio), permitindo a algumas seguir estudos superiores – de notar que 58% das matrículas entre 1886-87 e 1909-10 eram femininas (Alves, 2015).
A insistência no sufrágio feminino restrito para uma elite intelectual e para comerciantes alfabetizadas e chefes de família (Pereira, 2014) levou à demissão de Ana de Castro Osório da LRMP, tendo criado com outras demissionárias da Liga, a Associação de Propaganda Feminista – APF (1911-1918), presidida por Carolina Beatriz Ângelo e de que fizeram parte, entre outras, Elzira Dantas Gonçalves Pereira Machado e Luthegarda Guimarães de Caires. A primeira vitória da APF ocorreu poucos dias depois da sua criação: Carolina Beatriz Ângelo exerceu o direito ao voto no dia 28 de maio de 1911 nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte. Mas tal aconteceu porque invocou a sua condição de chefe de família (por viuvez) explorando no tribunal uma lacuna da Lei Eleitoral de 1911 que concedia o voto a “cidadãos portugueses com mais de 21 anos, que soubessem ler e escrever e fossem chefes de família” (Ferreira, 1998). Se a nível internacional este acontecimento trouxe à Associação o convite para se filiar na International Woman Suffrage Alliance (IWSA) (Esteves, 2014a), a nível nacional a Associação sofreu um rude golpe, dado que a Lei Eleitoral foi revista fazendo prevalecer a discriminação em relação às mulheres ao especificar que só os chefes de família do sexo masculino podiam votar (Ferreira, 1998). Aliás, durante a discussão dessa Lei só o Partido Republicano Radical Português propôs a igualdade civil e política de homens e mulheres e, até mesmo o sufrágio universal masculino, apenas foi defendido pelo Partido Unionista, só se reconhecendo o voto aos homens chefes de família alfabetizados (Pereira, 2014). No entanto, João Esteves (2014a) sublinha que o voto de Carolina Beatriz Ângelo foi o culminar da luta feminista que se vinha desenvolvendo desde 1906!
Em março de 1914 a médica Adelaide Cabete fundou o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas – CNMP (1914-1947), que se constituiu como uma organização que permitia a federação de associações de mulheres, feministas ou não, e que não se subordinava a questões políticas, filosóficas ou religiosas (Pimentel, 2011). Os seus objetivos eram formar uma elite que propagandeasse o ideário feminista através da palavra escrita e falada: daí as publicações, as conferências e as exposições e até mesmo as relações com o movimento feminista internacional (Costa, 2021), tendo-se filiado desde logo no International Council of Women (ICW). O CNMP definiu como objetivos a solidariedade entre mulheres e entre as suas associações, a melhoria da situação legal da mulher na família e no Estado, bem como a melhoria da sua saúde e das crianças e, mais uma vez, a luta pela educação e pelo voto (Silva, 1994); a remuneração equitativa do trabalho e o fim do tráfico e exploração de mulheres (Pimentel, 2011). A sua ação em torno destes objetivos e a cooperação internacional eram divulgados no seu Boletim Oficial, publicado de 1914 a 1946, e que se passou a designar Alma Feminina desde 1917 (Leal, 1986).
3. DA I À II GUERRA MUNDIAL
O ano de 1914 mergulhou o mundo ocidental na I Guerra Mundial: o assassinato de Francisco Fernando, herdeiro do Império Austro-Húngaro, a 28 de junho de 1914, foi o pretexto para envolver, numa semana, a Europa num conflito que todos acreditavam estar resolvido até ao Natal desse ano, mas que, mercê do equilíbrio de armamento dos Impérios Centrais e dos Aliados, durou quatro longos anos! (Hobbsbawm, 1990; Rémond, 2003).
Em Portugal, a I Guerra Mundial pôs em causa o equilíbrio financeiro alcançado por Afonso Costa em 1912, tendo reemergido as dificuldades económico-financeiras, decorrentes do agravamento da dívida externa e da inflação, e a instabilidade política resultante da dificuldade de os governos obterem apoio por excessiva fragmentação partidária e das tentativas de implantação de ditaduras como a de Pimenta de Castro de janeiro a maio de 1915 (Rosas & Rollo, 2010). Após a queda dessa ditadura, Ana de Castro Osório e Elzira Dantas Gonçalves Pereira Machado, enquanto representantes da APF, apresentaram ao novo Parlamento as reivindicações feministas, novamente sem sucesso (Esteves, 2014a).
O dealbar da I Guerra Mundial foi retirando força aos movimentos sufragistas, dividindo-se estes em pacifistas e em patriotas/apoiantes do esforço de guerra (Macedo & Amaral, 2005). Em Portugal, Ana de Castro Osório defendeu que as mulheres deviam aproveitar a guerra como uma oportunidade para se afirmarem na esfera pública, tendo criado na APF a Comissão Feminina “Pela Pátria”, logo em 1914, para mobilizar as mulheres portuguesas para o esforço da guerra (Natividade Monteiro, 2016). Esta Comissão acabou por granjear o apoio da LRMP, que inicialmente tal como a CNMP tinham assumido um discurso pacifista: Adelaide Cabete, pela CNMP, acabou por aceitar as diretivas favoráveis à intervenção na guerra do International Council of Women; e Maria Veleda apelou ao apoio às intenções do Partido Democrático de Afonso Costa de participação na guerra[8] (Natividade Monteiro, 2016). Maria Veleda acabou por romper com o LRMP e criar a Associação Feminina de Propaganda Democrática (Pimentel, 2011).
A entrada de Portugal na I Guerra Mundial não provocou só cisões entre as mulheres; também os partidos políticos e a opinião pública se dividiram quanto a este assunto, acabando por prevalecer a vontade do governo da União Sagrada[9] que defendia que se deveria ir à guerra para preservar as colónias, participar nas negociações de paz no final do conflito e afirmar internacionalmente o novo regime republicano (Marques, 2016).
A I Guerra proporcionou às mulheres uma maior ação na esfera pública, surgindo em Portugal várias associações, nem todas feministas, para apoiar os soldados e as suas famílias (Natividade Monteiro, 2016), cumprindo-se assim aquilo que Ana de Castro Osório tinha defendido. Ela própria chegou a sugerir ao governo uma mobilização oficial das mulheres para o esforço de guerra, tendo essa mobilização sido efetuada pela Cruzada das Mulheres Portuguesas, fundada em março de 1916 por Elzira Dantas Gonçalves Pereira Machado, presidente da APF e esposa do Presidente da República, Bernardino Machado (Natividade Monteiro, 2016).
A Cruzada, criada como movimento de beneficência para apoio na guerra, foi tratada como parceira do governo e recebeu os mesmos direitos e privilégios da Cruz Vermelha, entre os quais ministrar cursos de enfermagem (Natividade Monteiro, 2016). Essas enfermeiras foram depois recrutadas pelo Ministério da Guerra para a frente de batalha na Flandres, tendo algumas sido colocadas nas ambulâncias da 1ª linha (Marques, 2016) ou em hospitais de recuperação para cuidar dos feridos, mutilados e doentes, nomeadamente em Lourenço Marques (atual Maputo, Moçambique), Lisboa e Porto (Natividade Monteiro, 2016). As mulheres da Cruzada acabaram por ver a sua ação denegrida devido aos seus laços familiares com o poder político, sobretudo quando Sidónio Pais chegou ao poder e instaurou a República Nova[10] (Natividade Monteiro, 2016). Convém relembrar que as mulheres que colaboraram com o sidonismo na assistência aos pobres e inválidos de guerra eram as de meios mais tradicionais e católicos (Natividade Monteiro, 2016; Samara, 2007).
A I Guerra deu, de facto, às mulheres oportunidades de trabalho, mas essa não era uma novidade: já havia algumas mulheres com estudos superiores a desempenhar funções nas áreas da saúde, educação e assistência social e recorde-se que havia um número enorme de mulheres das camadas populares que sempre trabalharam na agricultura e na indústria, auferindo, regra geral, menos salário que os homens (Léon, 1982). Por isso, uma das bandeiras da Confederação Geral do Trabalho, desde a transição do século, era que o aumento do salário do homem fosse de tal monta que permitisse que lhe permitisse sustentar a família, almejando a mulher operária ficar em casa a cuidar da família, o que muito raramente se concretizou (Burguière, Zonabend, Segalen & Klapisch-Zuber, 1996). O que melhorou de alguma forma as condições de vida deste operariado que vivia em bairros miseráveis foi o uso de estratégias de contraceção, que permitiram reduzir o número de filhos e tentar apostar na educação como forma de ascensão social das famílias (Burguière, Zonabend, Segalen & Klapisch-Zuber, 1996). Qual foi, então, a novidade no trabalho proporcionada pela guerra? O desempenho de profissões até aí reservadas maioritariamente aos homens e o facto de as mulheres das classes mais altas passarem a ocupar cargos de chefia nas empresas e na esfera pública (Léon, 1982).
A devastação material e humana (mortes e feridos) provocada pela I Guerra Mundial, teve consequências desastrosas a nível económico, político e social, desde logo o aumento das dívidas externas dos Estados europeus (Léon, 1982; Rémond 2003), entre os quais Portugal, devido ao financiamento do esforço de guerra através do aumento da dívida interna, da circulação monetária e de empréstimos pedidos no estrangeiro, sendo a principal financiadora dos países aliados europeus a Grã-Bretanha, que por sua vez era devedora aos EUA (Costa, Lains & Miranda, 2012).
A Europa do pós-guerra enfrentava uma situação difícil: por um lado, os países aliados enfrentavam as despesas de reconversão de uma economia que houvera sido orientada para a guerra (armas, fardamentos, etc…) e, por outro, a Alemanha juntava a essas dificuldades o pagamento das indeminizações impostas pelo Tratado de Versalhes[11] (para além do desarmamento e da perda de territórios e colónias): vencidos e vencedores da Europa viam a inflação e a dívida galopar (Léon, 1982). Por isso, os EUA emprestaram capital à Europa, nomeadamente à Alemanha, para que esta pagasse as dívidas aos Aliados e estes lhe pudessem pagar a si, sendo este fluxo triangular de capitais que permitiu a recuperação económica europeia entre 1921 e 1925 (Costa, Lains & Miranda, 2012). No entanto, essa recuperação não gerou a quebra imediata dos défices orçamentais, devido ao endividamento externo dos países, o que provocou inflação e carestia de vida (Léon, 1982; Blainey, 2009). Germinavam assim as greves entre o operariado, o que agitava nas classes médias e na burguesia o medo do comunismo, vitorioso na Rússia desde 1917[12] e propagandeado na Europa através da III Internacional que apelava à luta, sem fronteiras, dos trabalhadores (Léon, 1982; Rémond, 2003). A este quadro difícil somava-se ainda a instabilidade política devido à dificuldade dos governos em fazer aprovar as suas propostas: por todo o lado caíam governos, generalizavam-se revoltas e golpes de Estado (Hobbsbawm, 1990; Rémond, 2003). Como reação face à insegurança, em muitos países, as classes médias e a burguesia apelavam à estabilidade social e à manutenção da ordem começando a aceitar a ideia de um chefe que pusesse tudo em ordem: assim se entende a ascensão nos anos 20 e 30 do século XX de Mussolini e de Hitler (Blainey, 2009; Rémond, 2003).
A viragem à direita em Portugal ocorreu em 1926 com a instituição de uma ditadura militar que prometia ordem face à instabilidade política que se agravou no pós-guerra com as cisões crescentes entre republicanos e com a oposição de monárquicos e católicos (Rosas, 1994). As dificuldades de produção e de exportação agravaram a crise económico-financeira e provocaram falências, tendo como consequências o aumento do desemprego, a subida da inflação e a degradação das condições de vida, sobretudo entre o operariado e classes médias baixas (Costa, Lains & Miranda, 2012; Rosas, 1994).
A entrada na I Guerra Mundial permitiu a Portugal manter as colónias, mas não lhe trouxe as reparações financeiras esperadas: as despesas da guerra fizeram aumentar o défice devido aos empréstimos externos e, nem o aumento de impostos, nem a desvalorização da moeda pareciam resolver a questão (Rosas, 1994). Os governos caíam, os atentados políticos sucediam-se e a agitação social crescia com os operários a defender uma solução autoritária comunista e a grande burguesia e classes médias urbanas a defenderem uma solução fascista. Foram estes últimos que apoiaram o golpe militar de Gomes da Costa a 28 de maio de 1926 que instituiu a Ditadura Militar (Rosas, 1994). Ainda que entre 1923 e 1925 os governos da I República tivessem conseguido um certo reequilíbrio financeiro, este foi posto em causa pelo governo da Ditadura Militar: e foi para resolver a questão financeira que convidaram Oliveira Salazar para a pasta das Finanças (Costa, Lains & Miranda, 2012). Mas se socialmente havia quem tivesse sido muito atingido pelas consequências da I Guerra, também é verdade que houve quem tivesse enriquecido pela especulação e quem aproveitasse para acelerar a velocidade deslocando-se em automóveis cada vez mais velozes, dançando o foxtrot e o charleston, ouvindo jazz, vivendo a noite nos bares e clubes: foram os loucos anos 20 em que a jovem flapper (flapper na terminologia anglo-saxónica, garçonne na terminologia francófona), escandalizava pelos seus comportamentos, não só por assumir maior liberdade sexual, mas também por ir ao café sem companhia masculina, por fumar e beber em público, por usar maquilhagem, cortar o cabelo (à rapaz) ou por se libertar do espartilho e vestir saias mais curtas e, até, calças (Léon, 1982). Estes novos comportamentos foram, de alguma forma, veiculados pelo cinema e por campanhas de marketing destinadas a estas flapper que viviam nas cidades e que se tornaram consumidoras, em larga escala gastando os seus salários rapidamente (Léon, 1982). Apesar de esta “ligeireza de vida” ter sido largamente criticada, também pelas feministas, o fenómeno flapper contribuiu para uma maior liberdade das mulheres, quer em termos de moda, quer numa maior visibilidade na esfera pública, e também pelo desempenho de profissões consideradas exclusivamente masculinas (Léon, 1982).
O final da guerra permitiu ainda às feministas abraçar mais uma vez a causa da paz sendo várias as que trabalharam na Sociedade (ou Liga) das Nações – SDN (Macedo & Amaral, 2005), que houvera sido criada no imediato pós-guerra para evitar nova guerra mundial, tendo sido bem-sucedida nas ações de apoio aos refugiados (Mazower, 2017). Se nalguns países o voto foi concedido às mulheres nos anos 20, como nos EUA e na Inglaterra, outros governos continuaram a desconsiderar as reivindicações feministas (Léon, 1982). Portugal não fugiu a isso: a petição pelo sufrágio feminino da LRMP, apresentada por Angélica Porto, em julho de 1918, a Sidónio Pais, não obteve qualquer resultado (Esteves, 2014a). Em 1920, discutiu-se novamente o sufrágio feminino no Parlamento, desta feita devido à proposta do Partido Socialista para a instituição do sufrágio universal (também alargado às mulheres) e, apesar da proposta não ter sido aprovada, reanimou as feministas (Esteves, 2014a).
Em 1923, Adelaide Cabete, no Congresso da International Woman Suffrage Alliance, em Roma, sublinhou em representação pelo CNMP a centralidade da luta feminista pelo voto em Portugal (Esteves, 2014a) e, em representação do governo português, enumerou as conquistas de direitos civis, nomeadamente o direito ao divórcio e as leis da família (Costa, 2021). O CNMP participou ainda nos Congressos Internacionais do ICW em Washington, em 1925[13] e no do IWSA, em Paris, em 1926, tendo sido a estrutura feminista que sobreviveu à I Guerra Mundial (Costa, 2021). Organizou ainda, em Lisboa, dois Congressos Feministas e da Educação, em 1924 e 1928, cujo enfoque foi o direito à educação, ao voto, ao trabalho, à proteção da saúde materno-infantil e à participação na esfera social e política (Costa, 2021; Pimentel, 2011; Silva, 1994).
Curiosamente a Ditadura Militar, que acabou com a representação oficial do governo em Congressos internacionais feministas (Costa, 2021), acabou por permitir, em 1931, que as mulheres “emancipadas” pudessem exercer funções públicas nos concelhos e concedeu o direito ao voto, em eleições para as juntas de freguesia, a mulheres com mais de 21 anos, curso secundário ou superior e chefes de família, por viuvez, divórcio, separação judicial ou ausência do marido nas colónias ou no estrangeiro (Pimentel, 2011).
O mundo dos anos 30 do século XX não foi favorável às feministas: a crise de 1929, provocada pela superprodução dos EUA e pela crise da Bolsa, alastrou-se à Europa, sobretudo a partir de 1931 (Costa, Lains & Miranda, 2012). A exigência pelos EUA do pagamento dos empréstimos aos países europeus, arrastou a crise aos seus territórios coloniais em África e Ásia, provocando uma retração comercial que envolveu ainda os países da América do Sul (Léon, 1982). A crise mundializou-se e o desemprego disparou a nível mundial – só a URSS escapou a esta crise económica por ter cortado relações com o capitalismo em 1917 na sequência da revolução soviética (Blainey, 2009; Léon, 1982).
A crise de 1929 veio provar a dificuldade de intervenção da SDN, sobretudo por não possuir organismos financeiros ou monetários que lhe permitissem auxiliar os países em piores condições (Mazower, 2017). A forma como os Estados lidaram com a Grande Depressão dos anos 30 ditou a sobrevivência das democracias, nomeadamente o exemplo do New Deal de Roosevelt nos EUA, ou a consolidação dos autoritarismos à direita, como na Itália fascista e na Alemanha nazi (Blainey, 2009; Léon, 1982; Rémond, 2003).
Em 1932, a crise na Alemanha atingiu instituições bancárias, empresas e fábricas, fazendo disparar o desemprego (c. 30%), realidades que Hitler usou para culpar os partidos no governo. Através de uma intensa campanha de propaganda eleitoral Hitler prometeu aos trabalhadores emprego e aos patrões perseguir comunistas e sindicalistas, tudo sob princípios de patriotismo, nacionalismo, totalitarismo e autoritarismo: obteve 37% nas eleições e foi nomeado Chanceler (Blainey, 2009; Rémond, 2003). As suas soluções de emprego contemplavam as obras públicas, o rearmamento e o reforço das forças armadas (Blainey, 2009; Léon, 1982). Na Itália, Mussolini que tinha chegado ao poder em 1922 pelo uso da força, governava também segundo princípios autoritários e totalitários negando as liberdades individuais (Léon, 1982).
Na Alemanha nazi e na Itália fascista as organizações repressivas, como a censura e a polícia política, foram tão fundamentais como as organizações de enquadramento das massas, nomeadamente de trabalhadores, crianças e jovens e mulheres, sendo estas últimas remetidas ao papel tradicional de mães de família, servindo uma política de aumento da natalidade (Léon, 1982), ao mesmo tempo que libertavam postos de trabalho para os homens chefes de família (Pimentel, 2011). O feminismo era, assim, rejeitado e até desprezado: relembre-se que na Itália a vanguarda futurista propalava o desprezo pela mulher[14] (Perrot, 1990) e que, para Hitler, a mulher devia ter filhos, cozinhar e ir à igreja: a célebre expressão Kinder, Küche und Kirche (Janeiro, 2010).
O ideal de mulher mãe granjeou, também, simpatias no Portugal de Salazar que, por via do êxito da sua política de austeridade financeira iniciada em 1928 ao serviço da Ditadura Militar, alcançara a Presidência do Conselho de Ministros em 1932 e implantou o Estado Novo em 1933 (Rosas, 1986). Salazar subordinou, então, o poder legislativo ao poder executivo e com base nos princípios de ordem, disciplina, moral, autoritarismo, totalitarismo, nacionalismo, imperialismo (Salazar, 1935) criou os documentos orientadores do Estado Novo: o Ato Colonial, a Constituição de 1933 e o Estatuto Nacional do Trabalho, inspirado no corporativismo italiano (Rosas, 1986, 1992). Este Estatuto potenciava a subordinação da economia aos interesses de um Estado que valorizava a autarcia e o ruralismo em detrimento da indústria, que estava sujeita às regras do condicionamento industrial (Rosas, 1986, 1992). Salazar procurava assim controlar a extensão da indústria e das concentrações de trabalhadores para evitar a disseminação dos ideais comunistas, tendo mesmo criado a Federação Nacional para a Alegria no Trabalho (FNAT) para controlar os tempos livres dos trabalhadores e das suas famílias (Rosas, 1994).
Para divulgar os valores do regime foi criado, em 1933, o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) que, sob a direção de António Ferro, produziu cartazes de exaltação do Estado Novo (denegrindo a 1ª República) e de glorificação do chefe como o do “Salvador da Pátria” (Baptista, 1994) ou o da célebre fórmula “Deus, Pátria, Família”, procurando assim preservar o apoio das forças conservadoras e da Igreja Católica (Medina, 1994). O SPN organizou ainda desfiles e comícios onde Salazar discursava[15] e promoveu concursos, festivais de folclore e exposições como a do Mundo Português em 1940 (Baptista, 1994).
À semelhança das outras ditaduras coartaram-se as liberdades individuais, criando-se um partido único (a União Nacional) e um conjunto de mecanismos repressivos: em 1933 a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE)[16] – antecessora da PIDE – e em 1936, na sequência da guerra civil espanhola, a Censura Prévia[17], a Legião Portuguesa[18] e o campo de concentração do Tarrafal (Medina, 1994; Rosas, 1994). Ainda em 1936 procedeu-se à reforma do ensino, impondo um manual escolar único e obrigando os professores, tal como os funcionários públicos, a assinar uma declaração em como não professavam ideologias contrárias ao Estado Novo: pretendia-se assim garantir a transmissão dos valores do regime às crianças e jovens, nomeadamente o espírito de obediência ao chefe e a defesa da Nação, da raça e da religião católica (Medina, 1994; Rosas, 1994). Mas para se incutir especificamente valores militaristas e patrióticos nas crianças e jovens, sobretudo nos rapazes, foi criada a Mocidade Portuguesa (MP), dado que, apesar de o regime ter reduzido o analfabetismo, muitos eram os que continuavam sem possibilidades de aceder à escola (Medina, 1994; Rosas, 1994).
A MP tinha também uma vertente feminina, a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF), que, por sua vez, ensinava às raparigas o ideal de mulher que devia colocar o “bem da família” acima do seu (Pimentel, 2011). Este princípio ideológico era invocado na Constituição, juntamente com o argumento biológico da natureza da mulher, para justificar exceções à sua igualdade constitucional, criando na prática diferenças entre mulheres casadas e mulheres solteiras e emancipadas, que podiam trabalhar em funções socialmente úteis ainda que em espaços próprios de atuação, como a assistência e a educação (Pimentel, 2011). Assim se entende que Salazar tenha alargado o direito de voto a algumas mulheres[19] e permitido a sua elegibilidade para a Assembleia Nacional (AN) e a Câmara Corporativa (CC): por um lado, criou uma elite de mulheres que podiam ter cidadania social e a ilusão de atuar na esfera pública, e por outro, reforçou a subordinação de todas as mulheres à autoridade masculina (Pimentel, 2011). Esta elite feminina, mas não feminista, comprometida com o Estado Novo, preferencialmente solteira e com estudos, desempenhou cargos como deputadas[20] e dirigentes das organizações femininas do regime, como a MPF e a Obra das Mães para a Educação Nacional (OMEN). Esta elite escreveu ainda na Revista Portugal Feminino, onde colaboravam elementos do CNMP, tendo conseguido cooptar alguns desses elementos para a OMEN (Pimentel, 2011). A MPF e a OMEN tiveram um papel fundamental na transmissão dos valores do Estado Novo às mulheres, sendo a primeira de inscrição obrigatória para a juventude e a segunda de caráter voluntário: a OMEN pretendia essencialmente educar (ou reeducar) a mulher para a função de mãe, zeladora de uma higiene e moral irrepreensíveis na família e no lar e obediente à autoridade do marido. Para a difusão deste espírito “elegantemente antifeminista” de Salazar, como António Ferro o definiu, criou-se ainda um serviço de informação e publicidade da ação da OMEN e da MPF, de que se destacava o Boletim da MPF e a revista Menina & Moça (Pimentel, 2011).
Em contracorrente, surgiu no ano de 1936 a Associação Feminina Portuguesa para a Paz (AFPP) com estatutos culturais apolíticos, mas com apoio discreto aos republicanos espanhóis que viviam a guerra civil (Pimentel, 2011).
O que se passou em Portugal nos anos 30 do século XX foi extremado na Itália que procurava expandir o seu império[21], mas sobretudo na Alemanha devido à teoria do espaço vital e da raça ariana professada por Hitler (Blainey, 2009; Rémond, 2003). E a SDN não tinha poder para se opor a estas pretensões e às anexações que Hitler foi fazendo na Europa e que implicavam a rejeição do Tratado de Versalhes (Mazower, 2017).
4. DE 1939 A 1949
A II Guerra Mundial eclodiu em 1939 com a invasão da Polónia por Hitler. Neste conflito movido por questões ideológicas as Potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), que se consideravam no direito de conquistar territórios para os seus povos, opuseram-se aos Aliados (França, Inglaterra, EUA) que procuravam defender uma solução democrática para a vida em sociedade (Blainey, 2009; Rémond, 2003). Se numa fase inicial as Potências do Eixo foram vitoriosas nos seus intentos, a partir do momento em que a Alemanha invadiu a URSS, o equilíbrio de forças começou a mudar-se, dado que Estaline fez o impensável: aliou-se às potências capitalistas (Blainey, 2009). Em 1943 as vitórias dos Aliados levaram os Três Grandes (Roosevelt, Churchill e Estaline) a começar a delinear o mundo do pós-guerra, esboçando a Organização das Nações Unidas (ONU)[22] que substituiu a SDN, mas que não conseguiu evitar a Guerra Fria e a bipolarização entre capitalistas e comunistas no mundo pós-II Guerra Mundial (Mazower, 2017).
O elevado número de mortos entre militares e civis (mais de 55 milhões), número que foi agravado pelos genocídios, pelo holocausto e pelas bombas atómicas suscitou a redação da Declaração dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral da ONU em 10 de dezembro de 1948 (Blainey, 2009; Mazower, 2017), que inclui no artigo 2 a rejeição de qualquer tipo de discriminação, nomeadamente em função do sexo: “Todos os seres humanos podem invocar os direitos e as liberdades proclamados na presente Declaração, sem distinção alguma, nomeadamente de raça, de cor, de sexo, de língua, de religião, de opinião política ou outra, de origem nacional ou social, de fortuna, de nascimento ou de qualquer outra situação. Além disso, não será feita nenhuma distinção fundada no estatuto político, jurídico ou internacional do país ou do território da naturalidade da pessoa, seja esse país ou território independente, sob tutela, autónomo ou sujeito a alguma limitação de soberania”[23]. Vitória nas lutas feministas? Só no plano teórico! A erradicação da discriminação em função do género, bem como dos outros tipos de discriminação, é ainda hoje um caminho pleno de obstáculos!
Salazar, que assumira durante a II Guerra Mundial uma suposta política de neutralidade apesar de manter relações políticas e económicas com a Itália e a Alemanha, passou para o lado dos Aliados, quase ao final da guerra, quando percebeu que estes iam ganhar, cedendo-lhes a base das Lajes, nos Açores (Rosas, 1994; Ventura, 1994). Mas Salazar não foi o único a antecipar quem seriam as forças vitoriosas: as várias forças políticas de oposição ao Estado Novo, entre as quais o Partido Comunista Português (PCP), tiveram a perceção do fim da guerra e fomentaram um ambiente de agitação social provocado por greves várias, tendo criado na clandestinidade o Movimento de Unidade Nacional Antifascista – MUNAF (Revez, 2019)
O compromisso com os Aliados, mas também a agitação interna provocada pela queda dos fascismos na Europa, impeliu Salazar, logo em outubro de 1945, a anunciar uma revisão constitucional e a dissolver a Assembleia Nacional (Rosas, 1994; Ventura, 1994). Convocou eleições legislativas, que anunciou como sendo “tão livres quanto as da livre Inglaterra”, para 18 de novembro de 1945 e permitiu à oposição democrática concorrer, mas sem os comunistas.
Com pouco tempo a oposição reuniu democráticos, monárquicos, católicos e elementos liberais do MUNAF, e organizou o Movimento de Unidade Democrática (MUD) a 8 de outubro de 1945 (Rosas, 1994; Ventura, 1994), reunindo mais de cinquenta mil assinaturas entre as quais as de Maria Lamas, Maria Isabel Aboim Inglez e Virgínia Moura (Honório, 2014). No entanto, só Maria Isabel Aboim Inglez e Virgínia Moura tiveram lugar nos órgãos centrais do MUD, reunindo-se as restantes apoiantes femininas na Comissão de Mulheres do MUD, onde elaboraram o seu programa, que publicaram no Diário de Lisboa (Honório, 2014). O MUD colocou como condições para a realização do ato eleitoral a concessão de liberdade de expressão e a garantia de fiscalização dos cadernos eleitorais e do ato eleitoral (Rosas, 1994; Ventura, 1994). De facto, Salazar fez abrandar a repressão policial e a censura e concedeu uma amnistia parcial aos presos políticos, mas as questões eleitorais não foram revistas, tendo a Comissão de Mulheres do MUD denunciado a injustiça da lei eleitoral e do recenseamento no feminino (Tavares, 2010).
Durante a campanha, Salazar permitiu que os jornais e o Rádio Clube Português dessem voz à oposição, mas não contou com o elevado número de escritores, professores, economistas, advogados, militares que se manifestaram nos jornais próximos da oposição (República, Diário de Lisboa, Primeiro de Janeiro), nem com os milhares de pessoas presentes nos comícios, pelo que endureceu a repressão (Rosas, 1994). A ausência de garantia de liberdade no ato eleitoral levou a que o MUD se retirasse à boca das urnas e apelasse à abstenção, saindo Salazar duplamente vencedor: identificou os principais opositores (que mandou perseguir pela PIDE[24]) e reforçou o poder executivo com a revisão constitucional de 1945 (Rosas, 1994; Ventura, 1994).
A nível internacional, Salazar passou a ilusão de abertura democrática do regime (noticiada pela imprensa estrangeira que veio a Portugal) e procurou o reconhecimento da sua política anticomunista pelas democracias ocidentais, que se materializou no apoio dos EUA, Reino Unido e França ao pedido de adesão de Portugal à ONU logo em 1946 (Rosas, 1994; Ventura, 1994). Esse apoio, que deve ser entendido no contexto da emergente Guerra Fria, e que era fundamentado no auxílio prestado por Portugal aos refugiados durante a guerra encontrou a oposição da URSS que vetou a entrada devido às relações entre Salazar, Hitler e Mussolini[25], mesmo tendo Portugal alegado que fora um país neutro durante a II Guerra Mundial e cooperante com os Aliados no final da guerra (Rosas, 1992).
A denúncia internacional feita pelo MUD, em setembro de 1946, sobre a situação política interna de Portugal para impedir a sua aceitação na ONU provocou uma vaga de detenções no MUD e no Partido Comunista, bem como de demissões e saneamento de professores e militares apoiantes do MUD, que foi declarado ilegal em janeiro de 1948 (Revez, 2019; Rosas, 1994).
A vaga de repressão iniciada em 1946 recaiu também sobre as mulheres, apesar da fraca representatividade feminina na oposição (Tavares, 2010). Foram perseguidas mulheres do MUD e do MUD Juvenil[26], e foram presas várias sócias do CNMP, que acabou por ser extinto em 1947 (Pimentel, 2011) após o êxito, com eco internacional, da Exposição de Livros Escritos por Mulheres idealizada por Maria Lamas, presidente do CNMP desde 1945 (Silva, 1994). Aliás, o dinamismo de Maria Lamas à frente da CNMP incomodou o regime, bem como a sua presença no primeiro congresso de mulheres após a II Guerra Mundial, o Congresso do Conselho Internacional das Mulheres (Tavares, 2010). De facto, o regime tolerara até aí o CNMP porque este tinha evitado hostilizar as mulheres afetas ao regime, nomeadamente as da Assembleia Nacional, da OMEN e da MPF (Pimentel, 2011), tendo adotado um discurso, mais próximo do regime, passando a enaltecer as virtudes da mulher-mãe e a dignificação feminina (Costa, 2021). Maria Lamas ainda tentou evitar o encerramento do CNMP interpondo recurso por abuso de poder por parte do governador civil de Lisboa, mas não o conseguiu, sobretudo porque, segundo Costa (2021), este terá sido um processo contra a presidente do CNMP por aproximação à oposição democrática. Não obstante o afastamento da causa feminista nos anos 40, o CNMP foi a organização feminista com mais tempo de atividade em Portugal na primeira metade do século XX (Costa, 2021).
O MUD Juvenil acabou por ser a estrutura que melhor resistiu a esta leva de repressão (Honório, 2014; Rosas, 1994), voltando a oposição democrática a agregar-se uma vez mais em 1948, em torno da campanha de Norton de Matos (então com 81 anos) como candidato às eleições presidenciais de 1949 (Revez, 2019; Rosas 1994): republicanos, socialistas, comunistas, maçons, intelectuais, anarcossindicalistas, católicos e monárquicos progressistas (Revez, 2019), que constituíram o Movimento Nacional Democrático (MND) com o Movimento Nacional Democrático Feminino (MNDF) como componente feminina (Tavares, 2010).
Norton de Matos apresentou-se com um programa que prometia, além de medidas de desenvolvimento económico e de incremento colonizador, medidas políticas de restituição das liberdades fundamentais, de redação de uma nova Constituição e o fim dos organismos de repressão (censura, polícia e prisões políticas) e, consequentemente, a libertação dos presos políticos (Matos, 1948; Revez, 2019). Nesse programa deixava ainda bem claras as suas divergências com a Constituição de 1933, no que respeitava à igualdade perante a lei, afirmando que não haveria discriminação sexual, nem política, religiosa ou de língua e raça (Matos, 1948), o que lhe granjeou o apoio das mulheres, sobretudo num país em que o marido tinha o direito de abrir a correspondência da mulher ou de lhe negar o direito ao trabalho (Janeiro, 2010). Apesar destas intenções, as mulheres foram novamente enquadradas, tal como tinha acontecido no MUD, numa estrutura específica para mulheres, a Comissão Eleitoral Feminina ou Núcleo Feminino da Propaganda, podendo ter voz ativa nas assembleias de delegados (Janeiro, 2010).
A única mulher na Comissão Central da candidatura foi Maria Isabel Aboim Inglez (Honório, 2014). Não obstante, as mulheres aproveitaram a campanha de Norton de Matos para se fazer ouvir nos comícios, usando o seu conhecimento científico e profissional para construir uma agenda feminista (Honório, 2014; Janeiro, 2010), cujos objetivos eram:
a) abolir o regulamento da prostituição: Maria Lamas acusou o regime de cobrar imposto a estas mulheres; Manuela Porto denunciou a matrícula de menores nesta profissão; Cesina Bermudes (médica) a recusa, pelo regime, de criação de casas maternais e de prestar cuidados de saúde a todas as mães, mesmo as solteiras, denunciando o falso moralismo das apoiantes de Salazar que empurrava estas mulheres para a prostituição (Janeiro, 2010);
b) independência económica, defendendo salário igual para trabalho igual porque, segundo Maria Lamas, a realidade portuguesa mostrava que a mulher pobre trabalhava nos campos e fábricas, tendo Palmira Tito de Morais (enfermeira) denunciado o modelo feminino do ideário salazarista de mulher fada do lar, próximo do modelo hitleriano, que produzia uma dupla discriminação em que a mulher era escrava de um homem escravo (Honório, 2014; Janeiro, 2010);
c) igualdade jurídica e sufrágio universal para as mulheres – apesar de não ser universal para os homens, ainda em 1949 (Janeiro, 2010);
d) a assistência social para todas as mulheres: Cesina Bermudes denunciou a falta de assistência na gravidez, no parto e na saúde em geral das mulheres pobres e seus filhos, denunciando a “caridade” do Estado Novo em vez de uma política assistencial (Janeiro, 2010).
Maria Isabel Aboim Inglês (professora) denunciou ainda o sistema de ensino transmissor dos valores salazaristas e que afastou os professores mais esclarecidos para universidades estrangeiras, reclamando o acesso à educação e cultura (Janeiro, 2010).
A enorme adesão nos comícios da campanha fez aumentar a repressão e a censura sobre a imprensa e comunicados da candidatura, tendo Salazar e o Presidente da República ignorado os protestos de Norton de Matos e lançado uma campanha de propaganda anticomunista relembrando a grande obra do Estado Novo (Revez, 2019). Com a aproximação do dia das eleições (13 de fevereiro de 1949) era evidente a repetição do cenário das eleições de 1945 pelo que Norton de Matos desistiu (embora não querendo), por ter sido sensível ao argumento dos apoiantes de não quererem legitimar uma farsa eleitoral (Rosas, 1994). Na realidade o regime perseguiu os apoiantes de Norton de Matos, prendendo muitos deles, em particular, os comunistas e saneando os que ocupavam cargos públicos (Revez, 2019), sendo também Virgínia Moura presa (Honório, 2014). Aliás, o regime assustou-se não só com o apoio popular à campanha de Norton de Matos, mas também com o apoio das mulheres (Honório, 2014; Pimentel, 2011).
Esta estratégia de prender a oposição democrática no final das campanhas eleitorais passou a ser a comum nas campanhas seguintes, dado que Salazar precisava desta participação nas eleições, para mostrar que Portugal era um país “democrático” aos seus Aliados da NATO[27], onde Portugal entrou como membro fundador[28] em abril de 1949 (Rosas, 1992).
A construção pelo regime salazarista de uma aparência de democracia, andava a par da contínua repressão e censura. O MNDF foi extinto em 1950 e a AFPP em 1952, sob o pretexto de estarem alinhados com o bloco comunista (Pimentel, 2011). Entre 1949 e 1951 o regime efetuou 1584 prisões por motivos políticos e entre as pessoas encarceradas e torturadas neste período estavam 61 mulheres, nomeadamente, Maria Lamas, Virgínia Moura, Isabel Aboim Inglez e Cesina Bermudes (Tavares, 2010). É nosso dever nomeá-las, conhecê-las, inscrevê-las na História.
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NOTAS:
[1] Redigida pela própria Elisabeth Stanton.
[2] Este entendimento era também alargado às crianças, que começavam a trabalhar aos 3 ou 4 anos em condições tão miseráveis como as dos seus progenitores, recebendo c. ¼ do salário dos homens, que já era bastante reduzido.
[3] Criado em 1875 e extinto em 1933.
[4] Que aumentou a incompreensão popular face à monarquia.
[5] De que Alice Pestana viria a ser sócia benemérita (Esteves, 2001).
[6] Como resposta aos anseios da sua base social de apoio: operariado e classes médias, essencialmente urbanas.
[7] Liceu Maria Pia de que Domitila de Carvalho foi reitora de 1906 a 1912 (Samara, 2007).
[8] Recorde-se que Portugal só entrou na guerra, na Europa, em 1916, mas que sofria já ataques alemães nas fronteiras de Angola e Moçambique, que na época eram colónias de Portugal.
[9] Governo de março de 1916 a abril e 1917 liderado por António José de Almeida do Partido Evolucionista, que se aliou ao Partido Democrático (de Afonso Costa).
[10]A “República Nova” durou de abril de 1918 até ao assassinato de Sidónio Pais em dezembro desse ano; Sidónio Pais acabou por desproteger as tropas do CEP na Flandres.
[11] Assinado no Palácio de Versalhes, em 1919, na sequência de negociações apenas entre os Aliados, sem ouvirem a Alemanha, que tinha pedido o armistício, nem a Áustria, a Hungria e a Rússia.
[12] A revolução de Outubro de1917 permitira a Lenine colocar em prática o marxismo-leninismo, que visava eliminar a burguesia (e classes possidentes) e colocar o proletariado e o campesinato no poder.
[13] Sendo Adelaide Cabete também delegada do governo português neste Congresso; no entanto, em ambos os casos foi a própria que custeou as suas despesas (Costa, 2021).
[14] Manifesto futurista de Marinetti, 1909: «queremos glorificar a guerra, o militarismo (…) e o desprezo da mulher».
[15] Embora preferisse fazê-lo através da rádio porque não gostava das multidões como Mussolini e Hitler.
[16] Vigiava os opositores políticos, que podia prender sem culpa formada ou mandato, sujeitar a tortura física e psicológica e enviar para as prisões políticas do Aljube, Caxias e Peniche; após a II Guerra Mundial foi transformada em Polícia Internacional de Defesa do Estado, a PIDE.
[17] Atuava sobre toda a produção intelectual, rádio, imprensa e cinema para impedir a divulgação de ideias contrárias ao regime.
[18] Milícia civil armada.
[19] Com mais de 21 anos, solteiras e emancipadas com rendimento próprio ou trabalhadoras e chefes de família e casadas com estudos secundários ou superiores ou que pagassem contribuição predial; em 1933 foi atribuído o voto para as câmaras e eleições presidenciais e em 1934 para a AN e CC (Pimentel, 2011).
[20] Entre as quais Domitila de Carvalho, entre 1935 e 1942 (Samara, 2007); Domitília na versão de Irene Pimentel (2011) foi ainda vogal da OMEN, em 1936.
[21] Tendo conquistado a Abissínia (atual Etiópia) em 1936.
[22] Com os objetivos de manter a paz a nível mundial e fomentar a cooperação económica para evitar a pobreza extrema; foi oficializada em outubro de 1945.
[23] A consultar em https://dre.pt/dre/geral/legislacao-relevante/declaracao-universal-direitos-humanos
[24] Polícia Internacional de Defesa do Estado, criada em 1945, e herdeira da PVDE
[25] Portugal só entrará na ONU em 1955, após a morte de Estaline, e devido a um acordo geoestratégico entre EUA e URSS, apesar da pressão constante devido ao não reconhecimento do princípio da autodeterminação dos povos das colónias.
[26] Cuja seção feminina dinamizada por universitárias e mulheres com estudos técnicos contava com raparigas entre as camadas populares (Honório, 2014), embora não houvesse nenhuma mulher na Comissão Central.
[27] A integração na NATO, operou uma cisão entre os democráticos que esperavam uma aceleração de mudanças democráticas e os comunistas que viam a NATO como uma instituição militar ao serviço do capitalismo.
[28] Devido à sua posição geoestratégica, mais concretamente à posição da base das Lajes nos Açores.
Autoria: Mariana Lagarto
Este artigo, para efeitos de citação:
LAGARTO, Mariana (2021) – Contributo para a contextualização histórica das lutas feministas na história mundial e em Portugal – 1848-1950. In BRASIL, Elisabete; LAGARTO, Mariana; RIBEIRO, Ana (2021) – Feminismos antes do 25 de Abril de 1974 (Portugal 1890-1949). Lisboa: FEM, p. 33-60.