A violência sobre as mulheres escritoras

Antónia Margarida de Castelo Branco (1652-1717), uma grande autora esquecida pela história da literatura portuguesa, tornou-se escritora contra sua vontade. Foi obrigada a professar, por ser vítima de várias atrocidades por parte do marido, que lhe apontava uma adaga ao pescoço, a impedia de comer, recusando mesmo que fossem alimentados dois gémeos recém-nascidos, que morreram de fome. Nunca conheceríamos este testemunho pungente e revoltante, se sucessivos confessores não tivessem obrigado Antónia Margarida a escrever esta autobiografia espiritual, contra sua vontade, como era uso na época. Retenhamos que, ao longo dos séculos e em circunstâncias muito diferentes, a escrita das mulheres é vigiada.

Já no século XVIII, Olympe de Gouges (1748-1793) foi guilhotinada por ter escrito a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, apesar de ser lutado contra a pena de morte. Não nos podemos esquecer que foi também uma mulher de letras que assinou, entre outras obras, uma peça de teatro onde denunciava a escravatura dos negros. Muitas escritoras foram condenadas à morte. Ainda no século XVIII, a nossa Marquesa de Alorna (1750-1939) esteve exilada em Londres, por ordem de Pina Manique, alegadamente por actividades políticas. Escrevia poemas sobre a liberdade, contra o despotismo e a favor da tolerância.

Ao longo do tempo, os homens sempre gostaram de se apropriar da escrita feminina. O marido de Colette (1873-1954), Willy, assinou as quatro primeiras obras da mulher, que só mais tarde pôde reivindicar a sua autoria. Durante os séculos XVII e XVIII e mesmo já em pleno século XIX, as mulheres publicam livros e traduções, anonimamente. Às vezes, assinam desta forma: «por uma senhora portuguesa», como se, assim, quisessem reivindicar o seu género dentro da instituição literária, predominantemente masculina até hoje.

Em pleno século XX, Maria Teresa Horta foi insultada, pelo telefone, e espancada na rua por ter escrito Minha Senhora de mim, em 1971, um livro de poemas, proibido pela censura, onde ousou falar do prazer feminino. Durante a ditadura, as mulheres podiam escrever romances sentimentais, mas não podiam falar de erotismo. Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa são levadas a julgamento, pelo facto de as Novas Cartas Portuguesas terem sido consideradas pornográficas pelo Estado Novo.

Falando da situação de hoje, em Portugal, onde já não há censura, prisão, exílio, ou morte, e onde as mulheres podem assinar as suas obras, existe uma outra forma de violência, muito mais subtil, mas igualmente eficaz: o silenciamento. Basta percorrer as páginas literárias (não todas) de alguns jornais de referência para concluir que há mais críticos do que críticas e um maior número de obras referenciadas, escritas por homens. Por outro lado, se lermos as histórias da literatura portuguesa e os dicionários literários, verificamos que o lugar das escritoras é diminuto, mesmo no século XX, como demonstrou Chatarina Edfeldt. E que dizer dos programas de Português? No 10º, 11º e 12º anos, não há nenhuma obra de leitura obrigatória escrita por mulheres. Apenas se pode escolher, ou não, entre três autores, um conto de Maria Judite de Carvalho, e entre doze poetas, quatro poemas de Luiza Neto Jorge ou de Ana Luísa Amaral.

Teresa Sousa de Almeida

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