Mulheres estão morrendo! E por quê? Quem as mata?
“Talvez, os opressores não fossem tão fortes se não houvesse tantos cúmplices entre os oprimidos!” – Simone de Beauvoir
A cada uma hora morrem seis mulheres no mundo, vítimas de feminicídio! (ONU –Mulheres). Os números são monstruosos, não conhecem fronteiras, classe social e envergonham qualquer nação que queira identificar-se como democrática, justa e igualitária.
Se essa estatística não nos toca enquanto parte de um momento histórico social, pode ser que haja algo de errado conosco. Falta-nos empatia, aquela capacidade que o ser humano tem de colocar-se no lugar do outro, de sentir sua dor, numa relação altruística de amor e “interesse” com vontade de agir e mudar a realidade.
Precisamos ter um olhar mais humanizado para tratarmos desse assunto: mulheres estão morrendo! E por quê? Quem as mata?
Os homens as matam. E, na maioria dos casos homens próximos, parceiros afetivos. Em 2017 do número total de mulheres assassinadas no mundo 87.000, 50.000 foram assassinadas por seus parceiros íntimos no contexto da violência doméstica. A estimativa mundial é que uma a cada três mulheres sofrerá violência sexual ou física em algum momento da vida. Os números têm nome! Salomé, Maria, Ana, Joana, Júlia…
Quando olhamos para os número da violência doméstica seja no Brasil ou cá em Portugal ficamos estarrecidas. No Brasil, um caso de agressão à mulher a cada quatro minutos! Em Portugal, em 2019 segundo o Observatório de Mulheres Assassinadas (OMA), da União de Mulheres Alternativas e Respostas (UMAR), 28 mulheres foram vítimas mortais até então, talvez enquanto você leia este número já esteja desatualizado pelos novos dados.
Isso não é normal! Não, não podemos nos conformar com isso! Não podemos naturalizar a violência!
A violência de género é fruto da assimetria social entre homens e mulheres, em outras palavras é resultado de uma desigualdade construída ao longo de muitos anos de história, daí a necessidade de sua desconstrução, de se repensar as masculinidades, a forma e modelo de sua construção ao longo do tempo. Herdamos comportamentos e agimos muitas vezes sem se quer questioná-los.
Precisamos com urgência rever, repensar, reconstruir as masculinidades!
Tenho percebido na aplicação de um projeto sobre igualdade de género no âmbito escolar em três escolas de Lisboa que nossas raparigas ainda estão sendo educadas para a passividade (não reação), que romantizam o ciúme (“um pouquinho de ciúmes é bom” “é sinal que ele gosta de mim”), que os rapazes consideram normal assediarem as raparigas, é prova de virilidade, de masculinidade. Que a roupa que a rapariga usa pode “provocar” uma reação, um ímpeto na figura do “macho” como ro porque que se calhar, ela ag se calhar, ela agto tem de colocar-se no lugar do outro, de sentir a dor do outro como se sua se existisse dentro dele um animal indomável. Outros relatos são ainda mais chocantes. Ouvi de um aluno que muitas mulheres não reagem à violação porque, que “se calhar, ela até gostou depois” (isso foi dito porque exibimos a exposição das roupas de mulheres que foram violadas e dentre elas havia um uniforme de uma policial). Grande parte dos adolescentes ainda acreditam que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” (todas e todos devem saber que o crime de violência doméstica tornou-se público em Portugal em 2000 e desde então não depende mais da queixa da vítima, bastando uma denúncia). Mas saberiam para que número ligar? E, ao denunciar teriam alguém preparado para receber a denúncia do outro lado da linha? A seriedade das políticas públicas no contexto da violência doméstica precisa ser cobrada dos agentes públicos e com rigor. E mais, precisamos de medidas preventivas e com urgência. Fico estarrecida ao ver que muitas famílias considerem que a escola não seja lugar ideal para discutir o tema da Igualdade de Género. Se não na escola, onde? Em casa, alguns afirmarão categoricamente, deixem nossas crianças em paz, esse é um tema para a família. Então, pergunto como as famílias farão isso, se a maior parte da população nem sequer sabe o que significa “Feminismo”? Pegue um microfone, escolha uma rua qualquer da cidade de Lisboa e pergunte: – “Você é feminista?” Aliás, não precisa! O ator e ativista, feminista Diogo Faro, já fez isso, apenas assista! (Lugar Estranho, #Feminismo, no YouTube)
E você se certificará que as pessoas não têm sequer noção do que seja o Feminismo. Que o Feminismo lutou e luta pela igualdade de direitos. Que ele surge na história com as primeiras reivindicações dos direitos civis e políticos das mulheres, como simplesmente o direito de votar, poder viajar sem a autorização do marido, viver sem a tutela de um homem, pai/marido. Em Portugal, tais direitos foram consagrados na Constituição portuguesa (1976).
A escola é sem sombra de dúvidas um dos melhores locais para promoção da igualdade de género! A riqueza do tema e sua interseccionalidade toca transversalmente tantos outros temas cujo palco é o território escolar: racismo, bullying, multiculturalismo, são apenas alguns exemplos.
Portugal avançou quando implementou recentemente a disciplina de cidadania e estabeleceu em seu âmbito o tema da igualdade de género. Avançou porque compreendeu que através da educação, conscientização e desconstrução de modelos violentos pode-se realizar a prevenção. A violência nas relações de namoro predizem as futuras violências da vida adulta. E a estatística aponta que 2 em cada 10 jovens já experimentou o sabor amargo da violência no namoro.
E por que o combate à violência seja ela no namoro ou doméstica passa pela desconstrução da masculinidade hegemônica? Porque dos 9.665 autores(as) de crimes registados pela APAV em 2018, 80% da autoria era do sexo masculino. Os homens são ensinados desde muito pequenos a utilizar a força na resolução de seus conflitos, e assim o fazem nos relacionamentos como forma de exercício de poder e uso da violência para controlar os corpos das mulheres. Estamos diante de uma pandemia. É urgente incluir os rapazes/homens nesse debate. Precisamos que todos e todas acreditem na igualdade de género e passem a ação (que não aceitem piadas sexistas), alguma forma de ação mínima que seja, sob pena de sermos consideradas, considerados cúmplices, porque enquanto houver desigualdade de género…
“Os homens podem ter medo de que as mulheres se riam deles.
As mulheres têm/terão medo que os homens as matem”. – Margaret Atwood
Vanise Lima