Precariedade no feminino

Uma das maiores desigualdades da sociedade capitalista e patriarcal é a desigualdade no trabalho. Nessa perspetiva, há dois tipos de divisão do trabalho que se conjugam.

Por um lado, a divisão vertical do trabalho: quanto mais subimos na hierarquia funcional e de poder, tendencialmente encontramos menos mulheres. Isto coloca as mulheres em desvantagem relativamente aos homens em termos de pagamento (salário), condições de trabalho e oportunidades de progressão na carreira.

Por outro lado, a divisão horizontal do trabalho coloca as mulheres mais concentradas em tipos de trabalho particulares, com uma expressão acentuada em profissões associadas ao cuidado de outros, como professoras, enfermeiras, trabalhadoras de limpeza, etc, ou seja, formas socializadas de trabalho doméstico. Os setores profissionais mais feminilizados tendem a ter salários mais baixos.

A junção destas duas características leva, historicamente e socialmente, à criação de um fosso muito grande entre homens e mulheres no mundo do trabalho: no acesso ao trabalho, na formação, no salário e nos direitos laborais.

Além disso, numa sociedade de dominação masculina, acredita-se que o papel primordial da mulher é o da reprodução biológica, o que é considerado, simultaneamente, altamente incompatível com o trabalho e razão da desigualdade salarial e do desigual progresso das carreiras profissionais.

Ora, os dados estatísticos relativamente a estas matérias não enganam. Na União Europeia, segundo dados disponibilizados pelo Eurostat, Portugal apresentava, em 2015, uma diferenciação salarial de 17,8%, encontrando-se no grupo dos países com valores de desigualdade salarial superior à média da UE28, que é de 16,3%.
É de referir que, de acordo com estes dados, Portugal é um dos países onde o fosso salarial entre mulheres e homens mais tem aumentado, tendo passado de 12,8% em 2010 para 17,8% em 2015, ou seja 1,5 p.p. superior à média europeia. Até 2014, Portugal encontrava-se no grupo dos países com valores de desigualdade salarial inferiores à média da UE28, situação que se inverteu em 2015.
Porque é que os dados indicam ainda tanta desigualdade? Independentemente de todo o trabalho que podemos fazer (e que tem sido, objetivamente, feito), lidamos com um problema maior, mais estrutural: o sistema capitalista patriarcal que continua a diminuir as mulheres em todos os aspetos das nossas vidas. Admito que esta conclusão e qualquer análise feita considerando este ponto de partida pode não ser a mais fácil, nem tão pouco a mais consensual, mas creio ser necessária para reflexões mais profundas.

Não basta afirmar que a precariedade afeta mais as mulheres do que os homens, há que ir à raiz desse problema para conseguir encontrar soluções. Olhando para os dados de Portugal verificamos que, por um lado, durante os anos mais duros da crise económica e das políticas de austeridade, foram as mulheres quem mais sofreu em termos de desemprego, precariedade e baixos salários – aumento da desigualdade salarial entre homens e mulheres. Por outro lado, a própria recuperação do crescimento económico veio acompanhada pelo aumento da desigualdade salarial. Em suma: as mulheres são as primeiras a sofrer os impactos negativos da crise e as últimas a colher os frutos da retoma económica.

Isto não acontece por um qualquer acaso. Tem sim um fundamento histórico e estrutural na nossa sociedade. Por isso considero ser tão importante uma análise que vá para além dos dados estatísticos. Para conseguirmos chegar a propostas reivindicativas que respondam a todos os aspetos das nossas vidas onde somos afetadas por essa precariedade que quer subjugar sempre os mais fracos e, com isso, leva sempre as mulheres para o fundo.

Creio que “remar contra a maré” é uma expressão que caracteriza muito bem a luta feminista e, ainda melhor, a luta das mulheres no mundo do trabalho. Essa maré que oprime os trabalhadores no geral, mas a que se junta uma maré mais forte de opressão de género, acumulada com a opressão de classe.

É por isso que nos mantemos em movimento, sempre, contra marés e contra-correntes, por uma alteração profunda da estrutura da sociedade.

Isabel Pires

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