O rosto triste de “La Mimo” multiplicou-se em milhares de cronologias e posts nas redes sociais. Artista de rua, 36 anos, como muitos outros compatriotas chilenos manifestava-se contra as políticas governamentais que tinham tornado cada vez mais difícil sobreviver e se rebelavam contra os custos dos serviços públicos. Presa pelas forças policiais foi torturada, violada e enforcada.
Poucos dias depois, foi o rosto de Albertina Martinez Burgos que apareceu. Fotógrafa dos protestos, apareceu esfaqueada e com sinais de violência. Todo o seu material de trabalho desapareceu. As imagens que tinha conseguido captar eram altamente comprometedoras porque eram a prova da brutalidade e dos abusos da polícia.
As fotografias de La Mimi e de Albertina são as imagens mais recentes, as que ainda persistem na nossa memória. Na voragem da informação que diariamente consumimos, apagamos imagens, embotamos os sentidos, apagamos a memória, esquecemos, passamos à notícia seguinte. Ou não. Há que parar se queremos barrar o passo a este manto de esquecimento que os poderosos nos querem impôr. Como podemos deixar no silêncio e esquecimento aquelas/aqueles que são vítimas da perseguição do Estado, aquelas/aqueles que ousam lutar por uma vida decente, de liberdade, de igualdade, de justiça, de paz?
Começámos estes 16 dias de activismo lembrando as irmãs Mirabal mortas pelo ditador Trujillo em 1960, no dia 25 de Novembro: Pátria, Minerva e Maria Teresa. Quando as mulheres são incómodas ao poder, o poder trata de as apagar.
Quem esquece Marielle Franco assassinada a 14 de março do ano passado? Marielle assassinada com quatro tiros na cabeça. Quase dois anos depois, ainda não se sabe quem a matou… sabe-se que ela Marielle, como muitas outras Marielles, activistas em todo o mundo contra a injustiça e a desigualdade, contra a pobreza e a exclusão, que dedicaram as suas vidas a lutar por um mundo melhor, são o alvo do poder patriarcal, são o alvo das ditaduras que não toleram democracia, igualdade, justiça social. Marielle sintetizava essa energia transformadora e libertadora do seu povo das favelas, do povo explorado, excluído, discriminado. Orgulhosamente feminista, favelada, lésbica, política.
No dia 9 de Janeiro de 2013, três mulheres activistas curdas foram encontradas mortas, com ferimentos de balas no pescoço e no peito, no Centro de Informação do Curdistão em Paris. Sakine Cansiz, co-fundadora do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), Fidan Dogan, membro do Congresso Nacional do Curdistão e Leyla Soylemez, uma jovem activista curda, foram mortas numa altura em que o governo turco teria de recomeçar as negociações de paz com o líder curdo Abudallah Ocalan.
No dia 5 de Janeiro de 2016, de novo três activistas curdas foram mortas durante uma busca efectuada pelas autoridades turcas no bairro de Yeşiltepe, no norte do Curdistão. Séve Demir, organizadora do arranque da Caravana Feminista – IV Acção Internacional da Marcha Mundial das Mulheres – e membro do Partido Democrático das Regiões (BDP), tinha passado 15 anos na prisão e sobreviveu a 68 dias de greve de fome; Pakize Nayir, Vice-presidente da Assembleia Popular de Silopi; e Fatma Uyar, membro da União de Libertação das Mulheres.
Os assassinatos das activistas curdas, que dedicaram as suas vidas lutando pela liberdade e emancipação das mulheres, revelam a brutalidade do governo turco contra o povo curdo e a sua falta de vontade em alcançar qualquer acordo de paz. Para lembrá-las, a Marcha Mundial das Mulheres inscreve anualmente no seu calendário de acções o dia 9 de Janeiro como um dia para lembrar todas as companheiras que lutam por um mundo melhor.
Este humilde texto quis lembrá-las, pelo menos lembrar algumas e homenageá-las pela sua coragem, por terem ousado ir contra a corrente, quando o desequilíbrio de forças era demasiado grande. Mostrar-lhes o rosto, para que nos recordemos que eram como nós: sorriam, tinham sonhos, eram optimistas, inconformistas, lutadoras e poderosas. A nossa obrigação é não esquecê-las, não deixar que sejam esquecidas.
Almerinda Bento