Sexo frágil

Basta ouvirmos a expressão “sexo frágil” para imediatamente pensarmos numa mulher ou num conjunto de mulheres. Acontece automaticamente. E nesta expressão subjaz, implícita, a ideia de que o outro sexo será o forte.

O sexo fraco é sensível, frágil e delicado. O sexo forte é valente, determinado, corajoso.

Desta visão estereotipada dos papéis de género a argumento para justificar as desigualdades e discriminações das mulheres é um pulinho. Mas se as consequências destas ideias são tudo menos inócuas, as causas não são menos inocentes.

E se há quem argumente que estas conceções estão datadas, ultrapassadas, que já ninguém pensa assim, desengane-se. Naturalizar as diferenças é uma das estratégias mais antigas, mas mais eficazes, do patriarcado.

Senão repare-se como os primeiros argumentos, defendidos, aliás, por homens e mulheres, para reivindicar a falsidade desta assunção, estão, eles mesmos, carregados de estereótipos e preconceitos: “As mulheres, sexo frágil? Qual quê! São as mulheres que carregam os filhos no ventre durante nove meses, sofrem as dores do parto, acumulam o trabalho fora de casa com a educação das crianças e as tarefas domésticas.”

Parir, educar, cuidar, tratar e limpar exige força e resistência e é isso que parece servir para provar que as mulheres, de frágil, nada têm. O problema é que esta linha de raciocínio bebe da mesma visão estereotipada e naturalizadora dos papéis de género que pretende rebater. As mulheres, parideiras e educadoras; os homens, provedores.

Este é apenas um dos exemplos da extraordinária capacidade do patriarcado formar pensamento dominante e, através disso, manter a ordem das coisas: a subalternidade das mulheres, a hegemonia dos homens.

Este é o caldo que permite que, em sociedades modernas e democráticas, que se regem pelos valores da liberdade e da igualdade, se continue a viver em estado de sítio no que respeita à violência sobre as mulheres e se afigure tão extraordinariamente complexo erradicar a violência de género contra as mulheres.
O estatuto de subalternidade das mulheres é ao mesmo tempo fio condutor e corolário da desigualdade e da violência de género sobre as mulheres.

Não é difícil perceber que a opressão conservadora sobre as mulheres na Índia ou na África Ocidental e os ventos reacionários que contestam o avanço dos direitos das mulheres na Europa ou nos Estados Unidos da América têm a mesma origem e se socorrem da mesma estratégia: dividir a sociedade em classes, grupos e categorias, impor papéis estereotipados de género e com isso legitimar o pensamento e os interesses da classe dominante.

Afirmar o combate à violência de género sobre as mulheres, em todas as suas dimensões, não deixando nenhuma mulher para trás – imigrantes, negras, ciganas, lésbicas, bissexuais e transgénero, precárias, desempregadas ou portadoras de deficiência – implica não apenas a consciência da diversidade e pluralidade de identidades mas exige sobretudo a consciência política de que este pensamento dominante e ultraconservador, esta organização social que nos é imposta, serve o poder patriarcal e garante a sobrevivência do capitalismo porque mantém o status quo.

Esta consciência deve servir para questionar, contestar, desafiar este pensamento dominante e este estado de coisas. Deve servir para unir forças, formar alianças e articular estratégias tendo sempre como premissa a ideia de que é a luta pela erradicação da violência sobre as mulheres que pode desarmar o patriarcado e alterar a estrutura das relações de poder na sociedade. Para uma verdadeira transformação social em que não mais existam “sexos frágeis”.

Sandra Cunha

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